quinta-feira, 21 de junho de 2012

Mudança

- Alô, Tréche?
- Opa, que manda Urbano?
- Seguinte, não é muita coisa, tenho que levar uma máquina de lavar, uma mesa e as roupas. Pode ser na sexta do feriado.
- Fechado!
- Beleza! Te ligo.
- Falou! Abraço.

Com o transporte da mudança combinado sentou na soleira da porta e olhou para a casa ainda vazia. Uma casa antiga, anos 30 talvez, com assoalho de madeira, pé direito alto, porta e janelas trabalhadas e um quintal grande.

Era um desejo ter uma casa, te parecia um sonho ideal. A casa estava abandonada a algum tempo, muita sujeira, pintura ferrada, porta emperrada e um monte de cupim. Parece desaminador, mas o lugar tinha um clima positivo, um ar de liberdade e um lindo Ipê roxo na frente. Qualidades que tornavam qualquer dificuldade um fator secundário, estava apaixonado pelo lugar, pela oportunidade de reconstruir sua a vida a partir de um lugar de referência, um lar.

Visitando os cômodos imaginava como ficaria cada parede, cada canto. As cores possíveis, os móveis, as pequenas coisas. Imaginou um cachorro no quintal, o sol entrando pela casa o Ipê florido e cheio de passarinhos.

A ansiedade para que tudo ficasse pronto imediatamente era incontrolável, o exito por ter conquistado aquele espaço extravasava o corpo. O sentimento de empoderamento surgiu novamente e um sorriso espontâneo estampou o rosto.

Urbano usou o vazio da casa para ecoar a felicidade na mudança de vida.

terça-feira, 30 de junho de 2009

13

As vezes se divertia apenas com sua própria imaginação, onde as coisas eram explicáveis em poucos segundos como no processamento computacional.

Urbano voltara a rotina depois de alguns momento de descontração no decretado recesso às atividades profissionais. Apenas 13 dias, dos quais quase a metade dedicados a outras obrigações. Mesmo assim sobraram alguns dias, dos quais desfrutou da sorte que achava ter!
...

- Nos mundos paralelos que criamos acreditamos nas coisas que na realidade alheia são estranhas.

...

Engolindo a cerveja comemorou a sorte de ter.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Vento...

Já era tarde quando se decidiu, mais de 23h, ficava difícil sair da região. Haviam poucas linhas de ônibus, duas, para ser mais exato. Só após 1h30' conseguiu embarcar. De capuz, sentado no fundo, ficou observando a rua. E como bom metropolitano, Urbano olhou o movimento instantaneamente como se aquilo lhe parecesse comum. As pessoas sempre circulando, de um lado, para o outro. Algumas Urbano só cruzou uma única vez na vida, a cidade é muito grande! Nessa imensidão Urbano desembarcou e saiu como o vento, que assopra sem ser percebido, circulando entre todos, observando, a espera do momento propício.

É Urbano...

Ao chegar, se depara com uma estranha sensação, sozinho ali naquele momento, sem ninguém que recordasse ter visto em toda a vida. Respira a libertação e segue a passos firmes, entra e como um furacão, engolindo a duros custos seu blended predileto, um bom 12 anos. Lá pelas tantas, ao som dos frenéticos anos 80, começa a praticar seu esporte favorito, e ao sacolejar dos joelhos, se mistura.

É Urbano...

Ao final da noite, já bêbado saudavelmente pela combinação (joelhos + whiskey), sussurra como uma brisa nos jardim de margarida, aterrissando na pista já meio vazia, pela hora já passada das 4h.

É Urbano...

Como já era de manhã conseguiu economizar alguns trocados com o taxi e resolveu voltar de ônibus, voltou ainda cheirando a álcool e embrigado pelo sacode que a ventania havia causado, pensava como pode o inesperado ser assim. De repente, ali, em algumas horas viveu o anonimato e como o vento...

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Amnésia

Desligou o telefone sem saber ao certo quais palavras foram ditas nos minutos anteriores, talvez sua amnésia passageira se explicasse no sentir. Esfregava o rosto com as mãos no ritmo do choro canino que conseguia ouvir ao longe, cada vez que passava as mãos sobre os olhos e os pressionava via em sua mente as lembranças recentes do desentendimento que lhe causava aquela angústia, e como lhe parecia certo em seu julgamento, guardou os sentimentos revelando assim seu orgulho desejável.

Sufocado, reparou a dor em seu tímpano esquerdo, não uma dor casual como aquela causada por uma infecção, algo profundo, letal, que insistia em incomodar o pensamento, algo ferido pela arma mais poderosa, algo ferido por uma palavra, daquelas bem afiadas que furam e deixam cicatrizes. Pois bem, descobrira seu agressor e esse jamais poderia ser punido, viverá em eterno dentro de sua memória antes esquecida.
Logo, em sua garganta sente ranhuras provindas do mesmo agressor, as palavras insistiam em lhe molestar, queriam sair desesperadas para ferir outros ouvidos atentos, mas seu egoísmo prevalece e as mantém aprisionadas, e como agulhas lhe furam até o próximo gole de água ardente.
E assim se cala, sente, acende o último cigarro e mesmo sobre o sangue derramado reflete sobre o que o levou a tal estado e chega ao mesmo diagnóstico, elas, as palavras e seu poder incomensurável levaram a isso, simples e curtas como um projétil calibre 22 que não atravessa o corpo. Perfurado.
Deita-se delicadamente sobre as fronhas ainda secas, respira e vê sua sombra na parede sem feição sem palavras, apenas sua imagem projetada de forma destorcida pelos buracos do reboco, sorri de tristeza o sadismo do ato e se conforma infeliz pelas escolhas feitas. Delira num instante de erro e orgulhosamente engole as lagrimas como mérito do seu sofrimento solitário.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

A 12 metros

Dispunha-se impetuosa, firme e cheirosa, afastando qualquer olhar sedutor da sua beleza desconhecida, uma primeira rispidez executava esse ato com pleno sucesso. Em alguns dias de chuva torrencialmente linda deixava escapar um pequeno gesto de sua graça que ali ficava atirado no chão como fração do seu amor relapso que só bastava para o consumo imediato e o fim na satisfação mentirosa.

O risco da aleatoriedade de suas escolha se tornou real na insistência de uma paixão inesperada por aquele que recolheu do solo sua vontade reprimida. E o tal orgulhoso e necessitado daquele aroma, corriqueiramente freqüentava a presença da beleza apaixonante, com todo o medo da imponência que só lhe entregava restos mortos do que um dia sentiu.

Mesmo receoso, assustado e descrente o que lhe sobressaltava era a fascinação inconseqüente, em muitos momentos brincava a infância nostálgica, cansava e recostava aos pés dela no descanso intermitente. Mas se dava conta que a pontualidade dos fatos estava clara e sua elucidação trazia a tristeza a sua garganta, seus gritos ao longe ecoavam em rajadas de vento na pretensão da afetação por aquela que aceitava a transitoriedade do está.

Aquele sopro a tocou e a sinceridade da brisa fria e angustiada se desdobrou em gotas que encharcaram seu redor embebedando sua base com dor. No desespero da abstinência no seu local de solidão a coragem que a vontade convencia o fez correr e pedir a chance do tentar. No querer discreto seu desejo é cedido, pisa na poça e a escala com todo anseio.

Ultrapassa todos os obstáculos do seu corpo longo, um a um, se deliciando com o pegar, sobe freneticamente até o topo, ali sobre a luz radiante do sol olha admirado seu vermelho e sua forma perfeita e lá no alto conquista o melhor fruto, recolhe o pecado com a boca e delirando sente o sabor que a pitanga presente transmite em amor, enfim recebe todos as folhas em seu entorno, agora é ele e a pitanga.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Dias Vendidos.

“O trabalho enobrece o homem” já dizia o velho que pensava na sua sabedoria como singular, talvez fosse pela simples falta de coragem de ter encarado a questão para além do costume cotidiano.

Devorado pelo veneno monetário levantou-se, já tarde demais, com o gosto amargo da realidade que insistia em eliminar com a escova de dentes, preparava algo para o desjejum e se banhava esfregando o mal humor da segunda-feira, vestiu-se com sua armadura de algodão, pegou suas ferramentas e ao fechar a porta respirou o ar poluído e se trancou no mundo.

Na caminhada esboçou um sorriso para o sol na intenção de esquecer o martírio da cidade que aos pouco enferruja as justas das pernas, diminuindo os passos da conquista, outros ao redor já não têm a velocidade necessária e arrastando os pés a poucas polegadas demonstram na face às marcas da corrosão conformista.

Põe-se parado no local de embarque olhando para o relógio já esboçando certa preocupação com o tempo, com o dia, com os anos, com a certeza de ter que chegar apenas para comercializar o que é tão seu, num sentimento promiscuo e meretrício. Para! Pensa e repensa, reflete e por súbito aceita, és enfim um vendedor. Os barulhos dos freios lhe salvam do convencimento que parecia próximo, entra na condução observando os rostos que ali estão, se interessa em saber o que se passa em cada expressão, gesto, olhar e como um místico se dispõe a tentar adivinhar, mas logo adormece recostado no banco rígido ao minar do sacolejo da rua calejada pelo fluxo pondo um fim a sua distração prepotente.

Acorda de seu sono rápido e prazeroso, feliz por ter ao menos vivido a ilusão da imaginação, desce as escadas de poucos degraus e pisa já triste na realidade. A passos alvorecidos se direciona no vetor mecânico a atração magnética mercantil, abre o portão, fecha, percebe que os seus minutos de respiração se tornam caça níqueis.

Acendendo um cigarro e tomando um café enfim sorri ironicamente, como quem soubesse da sua necessidade, do seu poder, liquidificando seu trabalho em forma de suor, santificando sua humanidade dentre tantos outros, no cenário do “Admirável mundo novo” se sentiu um selvagem e gargalhou a inferioridade.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Páscoa pagã

Páscoa: s. f. 1. Festa anual dos judeus, comemorativa de sua saída do Egito. 2. Festa anual dos cristãos, comemorativa da ressurreição de Cristo.

Ambos significados só podem contribuir, mas jamais descrever a completude do que se dispôs a viver nessa data sagrada.

Santa, a quinta inicia-se na expectativa, coberta por nuvens e uma leve brisa úmida que suavemente cobria os vitrais, de tal modo, que era possível com o dedo desenhar símbolos, escrever bobagens com a certeza que a mesma brisa seria o apagador daquele desabafo inconsciente.

Todos os discípulos reunidos na mesa para o inicio da partilha, a mesma é feita a partir dos anseios de todos os presentes de se alimentarem da curiosidade alheia, desconhecimento se transforma em cumplicidade no milagre das palavras desprovidas de intenções catequizantes. Todos se levantam para o ritual de institucionalização do sacrilégio aos cânticos exaltados da consagração do prazer.

A ceia é servida com o gosto do orgasmo dos desejos, mãos, pernas, rostos e línguas se entrelaçam, como quando o fim da tarde acontecia viu novamente o embaço dos vidros, agora causado pela transpiração e suor de corpos satisfeitos, desenhava nele seu futuro próximo.

Judas se revela na face do acaso, denunciado a viver ao desespero do não querer, devorado pelo caos urbano do desencontro, julgado pela não afirmação da vontade do que já havia passado. Só lhe restou o martírio da cruz que pesava na consciência.

Malhando a burrada guardada na ignorância dos demais se propôs a assumir o caminho perdido no desgosto outrora tão cordial como dique daquilo que talvez lhe representasse um fiapo da vida, as desculpas se apresentaram em palavras litúrgicas impostas pela crença da esperança, que felizmente se consumaram no além.

Teve então a chance antes perdida no ato falho do real e utopicamente sorriu ao encontro da carne, na aparência feminil que novamente ao seu lado completava o vazio da fome que o sentimento reclamava. Ouvia o choro das nuvens encharcando os telhados enquanto deitado, saciado, acariciava seu troféu pela vida, respirando a quatro pulmões o prazer da ressurreição.