sexta-feira, 20 de abril de 2007

Dias Vendidos.

“O trabalho enobrece o homem” já dizia o velho que pensava na sua sabedoria como singular, talvez fosse pela simples falta de coragem de ter encarado a questão para além do costume cotidiano.

Devorado pelo veneno monetário levantou-se, já tarde demais, com o gosto amargo da realidade que insistia em eliminar com a escova de dentes, preparava algo para o desjejum e se banhava esfregando o mal humor da segunda-feira, vestiu-se com sua armadura de algodão, pegou suas ferramentas e ao fechar a porta respirou o ar poluído e se trancou no mundo.

Na caminhada esboçou um sorriso para o sol na intenção de esquecer o martírio da cidade que aos pouco enferruja as justas das pernas, diminuindo os passos da conquista, outros ao redor já não têm a velocidade necessária e arrastando os pés a poucas polegadas demonstram na face às marcas da corrosão conformista.

Põe-se parado no local de embarque olhando para o relógio já esboçando certa preocupação com o tempo, com o dia, com os anos, com a certeza de ter que chegar apenas para comercializar o que é tão seu, num sentimento promiscuo e meretrício. Para! Pensa e repensa, reflete e por súbito aceita, és enfim um vendedor. Os barulhos dos freios lhe salvam do convencimento que parecia próximo, entra na condução observando os rostos que ali estão, se interessa em saber o que se passa em cada expressão, gesto, olhar e como um místico se dispõe a tentar adivinhar, mas logo adormece recostado no banco rígido ao minar do sacolejo da rua calejada pelo fluxo pondo um fim a sua distração prepotente.

Acorda de seu sono rápido e prazeroso, feliz por ter ao menos vivido a ilusão da imaginação, desce as escadas de poucos degraus e pisa já triste na realidade. A passos alvorecidos se direciona no vetor mecânico a atração magnética mercantil, abre o portão, fecha, percebe que os seus minutos de respiração se tornam caça níqueis.

Acendendo um cigarro e tomando um café enfim sorri ironicamente, como quem soubesse da sua necessidade, do seu poder, liquidificando seu trabalho em forma de suor, santificando sua humanidade dentre tantos outros, no cenário do “Admirável mundo novo” se sentiu um selvagem e gargalhou a inferioridade.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Páscoa pagã

Páscoa: s. f. 1. Festa anual dos judeus, comemorativa de sua saída do Egito. 2. Festa anual dos cristãos, comemorativa da ressurreição de Cristo.

Ambos significados só podem contribuir, mas jamais descrever a completude do que se dispôs a viver nessa data sagrada.

Santa, a quinta inicia-se na expectativa, coberta por nuvens e uma leve brisa úmida que suavemente cobria os vitrais, de tal modo, que era possível com o dedo desenhar símbolos, escrever bobagens com a certeza que a mesma brisa seria o apagador daquele desabafo inconsciente.

Todos os discípulos reunidos na mesa para o inicio da partilha, a mesma é feita a partir dos anseios de todos os presentes de se alimentarem da curiosidade alheia, desconhecimento se transforma em cumplicidade no milagre das palavras desprovidas de intenções catequizantes. Todos se levantam para o ritual de institucionalização do sacrilégio aos cânticos exaltados da consagração do prazer.

A ceia é servida com o gosto do orgasmo dos desejos, mãos, pernas, rostos e línguas se entrelaçam, como quando o fim da tarde acontecia viu novamente o embaço dos vidros, agora causado pela transpiração e suor de corpos satisfeitos, desenhava nele seu futuro próximo.

Judas se revela na face do acaso, denunciado a viver ao desespero do não querer, devorado pelo caos urbano do desencontro, julgado pela não afirmação da vontade do que já havia passado. Só lhe restou o martírio da cruz que pesava na consciência.

Malhando a burrada guardada na ignorância dos demais se propôs a assumir o caminho perdido no desgosto outrora tão cordial como dique daquilo que talvez lhe representasse um fiapo da vida, as desculpas se apresentaram em palavras litúrgicas impostas pela crença da esperança, que felizmente se consumaram no além.

Teve então a chance antes perdida no ato falho do real e utopicamente sorriu ao encontro da carne, na aparência feminil que novamente ao seu lado completava o vazio da fome que o sentimento reclamava. Ouvia o choro das nuvens encharcando os telhados enquanto deitado, saciado, acariciava seu troféu pela vida, respirando a quatro pulmões o prazer da ressurreição.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

1.000 em uma noite

As noites escrevem histórias nas estrelas, mesmo quando as nuvens tóxicas emitidas pelos automóveis insistem em encobri-las.

E para compor uma dessas histórias saiu enfim um dia para se perder na temporalidade, ansioso pelo inesperado, busca não sabia o que em um lugar qualquer, nessa cidade imensa não seria difícil alcançar seu objetivo.

Embarcou na viagem insólita. Feliz, empolgado e um pouco assustado, tinha a certeza que se entregaria ao destino que não costuma seguir os vetores regulares da vida cotidiana. Ouvia som alto rindo das previsões feitas ao seguir do caminho.

Olhando pela janela as luzes e pessoas excitavam seu âmago no anseio de viver uma realidade fictícia, pressupôs por um instante o perigo, mas logo relaxou. A cada quilometro rodado a música parecia se tornar mais alta as pessoas presentes mais ansiosas o momento de se revelar a noite estava ali.

A chegada é esperada, se ergue com o sorriso e gestos que demonstravam todos os anseios guardados nas calçadas passadas, caminha enfim para o coma que o ar noturno convida. Entra no antro que lhe trará para revelações, decepções, emoções, enfim, uma miscelânea de sensações.

Toma posse de sua bebida, acende um cigarro e tenta desenhar na fumaça toda a beleza do ato, do fato, do acontecido. Olhando bocas, pernas, mãos, o movimento constante da rapidez que despeja naquele ambiente segredos diários mascarados pela luz negra que ressalta o branco da alma.

A dança e os movimentos dominam seu corpo, brinca, pula, canta até o momento crucial, a música parece desaparecer junto com todas as outras pessoas, um incrível olhar captura sua atenção sente as pernas tremulas e as mãos frias, porém, o desejo é maior que o medo, se dispõe ao flerte, sorri, demonstra todo seu interesse.

Passo a passo se aproxima, chega tão perto que consegue sentir o perfume da doce dama se sobrepondo aos odores do ambiente, o primeiro contado é estranho ambos retrocedem a infância esquecida e engasgam as palavras, riem da própria timidez adorando o momento, trocam coincidências, costumes, alegrias se olham fixamente no olho um do outro ao som de alguma música que pareça ideal. Pega na mão dela acaricia seu rosto, aproxima-se dos seus lábios e vive o êxito da conquista, apaixona-se na loucura noturna que se cala.